sábado. 27.04.2024

A primeira vez que fiquei em pé em uma prancha que se deslocava para frente foi um skate aos 8 anos. O contato com o surfe entrou nessa mesma idade, por conta de um primo mais velho. Infelizmente fui morar longe do mar por 5 longos anos e felizmente, quis a vida que eu me encontrasse com ele aos 15 anos e que permitir desde então viver cada vez mais próximo do que mais amo. 

O surfe pra mim é mais do que um esporte. Leio sobre surfe, sua história, quem fez ele ser este esporte cada vez mais popular e comercial. Vejo cada vez mais cores e pessoas se vestirem como surfistas, andarem como surfistas, falarem como surfistas, surfarem como surfistas, porém não são surfistas. Pelo menos aquele tipo de surfista que cresci lendo, estudando, e que acabei me transformando... surfista de alma.

Meu surfe é medíocre, corri umas poucas baterias em toda a minha vida. Tenho poucas fotos das sessions que já fiz nesses últimos 23 anos de água salgada. Nunca dei um aéreo, e não deixo de dormir por isso. Mal peguei uns tubos, que conseguiria contar nos dedos das mãos... um mesmo bom, deep, nunca.

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Henrique Perrone, Tito Rosemberg, Fabrício Flores, Cristiano Mallmann e Gustavo Faraco. Lagoa Surfe Arte, Florianópolis. Foto: Cristina Souza.

Ao longo desse tempo estudei, virei engenheiro, mestre e doutor em aquacultura e atualmente sigo uma outra metade do tempo como pesquisador pos-doutorado trabalhando com avaliação da contaminação ambiental através de respostas celulares de organismos aquáticos expostos. Sempre surfando. Meu divã, minha terapia.

Recentemente em uma entrevista disse que o surfe cura. Ele me dá a paz e a felicidade de ficar em pé sem ficar de pé, boiando na água, de costas para a vida que em terra te espera. Oxigena meu cérebro, me fornece respostas, me dá tempo para respirar. O mar é minha sala de aula, e cada onda uma nova lição, uma nova oportunidade de fazer o correto e bem feito. E isso tenho aplicado sempre. Pelo menos sempre que me lembro.

Comecei a viajar tarde, já adulto em 2009. De lá pra cá, passei por muitas culturas e agucei meus 5 sentidos. Bangladesh, Portugal, Espanha, Itália, França, Inglaterra, Irlanda, Marrocos, Peru. Em todos estes lugares procuro conhecer o contra fluxo do turismo, ir na contramão sempre é mais interessante.

Amo mercados públicos, mercado de flores, mercados. Bares velhos, pubs sujos, livrarias antigas, museus, a arquitetura das igrejas, das praças, os casarões e tudo mais que é histórico.

Ano de 2011, volto depois de ficar um ano morando em Portugal, entre o Algarve (sul) e Lisboa. Ainda por lá, tive conhecimento do festival de cinema surfe de Lisboa - SAL. Voltei pensando que poderia realizar algo parecido. Tentei umas iniciativas poucas com um amigo que não deu muita importância e não avancei. 2012, 2013, defesa de tese de doutorado... 2014... durante esse tempo todo segui sempre curtindo trabalhos em diferentes áreas: design, arquitetura, woodcrafters, handcrafters, móveis, handshapers, skateshapers, marcas que possuem um visual mais outdoor como Patagônia, North Face, Deus ex-machina, VSSLA, Empty Clothing Co.,...

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Lagoa Surfe Arte. Foto: Cristina Souza

Durante este mesmo período, 2011-2012 inicio a curiosidade de desenhar minhas pranchas e passar as medidas em papel digitalizado para um amigo no Rio de Janeiro projetar no software, usinar, fabricar e me enviar. Foram umas 3 pranchas assim. Projeto meu e execução terceirizada. Por volta de 2013, visitando um amigo, descubro que ele está em seu 7° shape e resolvo ver como está. O que vi me fez sair e comprar um bloco para shapear uma prancha. Eu, com mais de 23 anos de surf e estudo de pranchas e pelo menos 5 anos de estudo de contrução naval (planing hulls) precisava tentar. Fiz a primeira e a segunda totalmente à mão, sem equipamentos elétricos. Comprei a plaina elétrica na minha primeira encomenda. Até hoje fiz 10 pranchas, e me orgulho de garantir que nenhuma é igual a outra. Minha cabeça é muito louca para conseguir apenas repetir uma fórmula. As linhas mudam com o tempo, por isso as pranchas possuem personalidade própria.

2015... minha esposa conhece um lugar e resolve me apresentá-lo. Nessa época já vinha observando que a minha sede de cultura surfe, de cinema com fotografia, de arte nessa área era a sede de outros tantos também... Tínhamos demanda e nenhuma oferta...

Ao entrar, me espanto que, em vez de ver as paredes brancas como estavam, nuas paredes brancas, vejo elas cheia de obras de pintores que sigo em redes sociais, amigos virtuais. Vejo todos eles pela casa, as paredes repletas de quadros, desenhos, fotos, algumas pranchas, móveis, remos de madeira, vejo uma vernissage, vejo um coquetel, vinho, espumante, de taça na mão olhando uma prancha de surfe, uma mostra cultural surfe. Vejo surfe com conteúdo... desço para conhecer o restante do espaço e encontro uma sala grande o suficiente para projetar filmes e realizar conferências. 

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Arte de la ilustradora portuguesa Lisa Marques Lizzy Artwork. Foto: Cristina Souza

Estava certo que seria ali. Havia achado o lugar. Julho de 2015 formatei a mostra no papel, e sem nome definido busquei viabilizá-lo. Fiz a curadoria dos artistas (França, Portugal, Brasil), consegui dois filmes autorizados para a exibição pública direto com os diretores e tive o sim do convidado especial, Tito Rosemberg, lendário surfista brasileiro que percorreu o mundo não apenas surfando, vivendo e evoluindo. Tive o mesmo cuidado de curador na procura do que se tornaram depois os apoiadoras e parceiros, viabilizando o encontro do sol com a lua, recheando uma casa tradicional e histórica no meio da Mata Atlântica com muita arte surfe. #lagoasurfearte tinha se tornado algo que seria realizado.

Depois de dois dias de montagem e coordenação, dia 23 amanheceu ensolarado e sem nuvens e com tudo se encaminhando para a realização de 4 anos da idealização, 6 meses de organização e curadoria. O voo solo daria certo. Tinha certeza dado o carinho aplicado e dedicação ao amor ao surfe que tenho tanto respeito. Meu divã, minha terapia.

O compensador olhar as fotos e perceber que consegui. Consegui tirar os sorrisos, as paredes com quadros, o expositor das pranchas, as identificações das obras, as pessoas com taças olhando arte surfe, conseguir tirá-los de dentro da minha cabeça muito louca. A verdade, amizade, sinceridade, camaradagem, manteve a casa cheia para o espetáculo da vida. Solteiros, casados, famílias, amigos, amigos de amigos, sol, arte e surfe.

A ideia agora é crescer como festival, agregando às conferências e artes visuais, a moda, música, gastronomia, turismo, coworking, workshops. O evento cresce, e em vez de um dia, pretendemos na primavera (Out/16), e repetido a partir de então todos os anos na mesma data, realizar 6 dias de exposição, 3 dias de cinema e dois dias de conferência.

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Tito Rosemberg, invitado especial. Foto: Cristina Souza

Mais do que um simples evento, o #lagoasurfearte tem como objetivo ser vitrine da arte de Santa Catarina, atendendo a demanda local por espaços onde possam expor seus trabalhos. Trabalharemos para conseguir premiar filmes, obras, fomentar cultura.

Artistas

  • Raphael Langowski - artista plástico, Santa Catarina/Brasil
  • Lisa Marques - designer, Peniche/Portugal
  • Jacques de Kerdrel - artista plástico, Roscoff/França
  • Marianna Piccoli - fotógrafa, Santa Catarina/Brasil
  • Pranchas de surfe:
    • Ogro Surfboards - handshaper, Rio Grande do Sul/Brasil
    • Sea Cookies Handshapes (Fabrício Flores Nunes) - handshaper, Santa Catarina/Brasil

Conferencista convidado: Tito Rosemberg

Filmes:

  • Curta: Finding FAROES - The Outpost Vol.02 - Benjamin Weiland e Chris Burkard, 25 minutos, EUA
  • Longa: Tierra de Patagones - Gauchos del Mar (Julian Azulay y Joaquin Azulay), 1h14, Argentina

 

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